Nos anos 90 eu ministrava cursos de design com duração de dois semestres, 1x por semana e, em cada encontro, eu levava textos de design, cultura e design, reflexões minhas e de outros autores. Tenho então um acervo considerável. Abaixo uma reflexão escrita em 2000 que pareceu a mim e à minha equipe bem atual. O que você acha?
Texto originalmente publicado no Jornal do Margs em set/ 2000, por Renata Rubim.
Vivemos em uma época em que tudo o que remete à comunicação se traduz no superlativo, aparentemente. Recebemos informações visuais, e outras, “via multimídia”. Somos bombardeados por elas. A maior parte de nós, leitores deste jornal, se sente confortável em relação à tecnologia e consegue viver e produzir neste mundo “high-tech”.
Mas… paradoxalmente, não sabemos ainda muito bem o que é design, para que serve e o que fazem os designers. Mesmo que estejamos totalmente inseridos num ambiente dominado pelo design, não interagimos com ele de uma maneira consciente. É quase como se fôssemos crianças, respiramos o ar à nossa volta, inconscientes de nossa natureza de dependência. É possível entender isto quando nos lembramos das várias vezes, durante a nossa vida, que deparamo-nos com tomadas de consciência que nos “acordam” e nos fazem sair de alguma “sonolência” em assuntos dos mais diversos.
Não temos cultura de design em nossa sociedade, no nosso país. Não crescemos com informações no assunto. A grande maioria do nosso povo pode, infelizmente, considerar-se “analfabeta” em design. Significa, então, que, enquanto o planeta grita por soluções que os designers podem oferecer, e que já acontecem faz tempo nos países culturalmente mais informados, nós, brasileiros, ainda nos defrontamos com o problema da desinformação, do desconhecimento. Ou seja, em matéria de cultura de design, estamos muito atrás de vários outros países.
Paradoxalmente, porque somos um povo sensível às cores, à música, à comunicação - das bases, às elites- alcançamos maestria na música popular, no artesanato, no carnaval. Mas vivemos mergulhados na escuridão de todo o processo inteligente e sensível que existe embutido em qualquer manifestação de design.
Percebo várias vezes no meu trabalho diário como designer e- principalmente- no trabalho como ministrante de cursos de design de superfície, que é raro alguém se preocupar com o que vem antes da cadeira pronta, do tecido estampado do seu vestuário, do automóvel que dirige. É como se fôssemos “na loja” e lá “nascessem” os objetos. Mais ou menos como “Papai do Céu nos fez”. Não tem nada que questionar, nada nos motiva a isto. É assim, está tudo pronto para a gente consumir, pois consumir faz parte da nossa vida. E pt, saudações.
Ecologia? Ah, sim, está na moda… É verdade, móveis de madeira estão sendo substituídos por outros materiais, porque o pessoal do Greenpeace grita um bocado. Mas quem pensa em trocar a madeira pelo metal, pelo vidro, etc? Ah, não se sabe, deve ser o pessoal lá das indústrias, talvez. Quem, exatamente, não se sabe.
Não lembramos daquele ser pensante que é o designer, que estudou um tanto de arte, outro de assuntos técnicos, mais outro tanto de comunicação, filosofia, marketing e que tem como principais metas da vida, de um lado, se expressar de uma maneira estética e criativa, dentro de parâmetros e limites reais e, do outro lado, atender ao ser humano, que é o consumidor deste resultado. O designer é o “solucionador” de problemas e produz motivado pelo desafio de alcançar e oferecer a solução mais adequada e interessante ao seu cliente e para a sociedade em geral.
O paradoxo inicialmente citado de que, se convivemos naturalmente com exemplos de design altamente sofisticados como, por exemplo, os equipamentos domésticos que utilizamos ( som, computador, TV), os automóveis, os aviões, etc, também convivemos pacificamente com a nossa ignorância, o nosso desconhecimento em relação à multiplicidade de processos e fatores envolvidos na construção deste meio-ambiente tecnológico que ignora e exclui, geralmente, um meio-ambiente mais humano, mais generoso com os cidadãos afastados deste mesmo meio-ambiente. O que quero dizer é que a utilização dos serviços do designer em nosso país é principalmente uma “sub-utilização”. Porque, no momento em que nos conscientizarmos do papel do designer, do seu potencial e de suas possibilidades, não continuaremos confundindo-o com aquele que é capaz de tornar nossos objetos apenas em objetos lindos e modernos, em nos deslumbrar tão somente com recursos e soluções digitais mas, também, em oferecer resultados que beneficiam a todos: à terceira (e quarta) idade, às classes de menor renda, às indústrias que precisam se modernizar, às nossas crianças, aos nossos parques e praças, às nossas vilas. Tudo isso aliando seu conhecimento geral e sua vocação poética e estética para criar um mundo melhor à nossa volta, um mundo onde a sofisticação é também sinônimo de simplicidade, de natureza essencial, de conforto e de integração.
O design tem um papel fundamental a desempenhar no nosso meio. Ele não pode continuar a ser confundido com um competente e hábil maquiador da nossa “infra-estrutura digital high-tech” e que apenas se preocupe com “merchandising”, consumo e comunicação internauta. Ele deve ser entendido como aquela pessoa que adquiriu ferramentas importantes para nos oferecer um mundo melhor.
Imagens da capa:
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